quinta-feira, 5 de março de 2020

Não É O Que Você Pensa

Os maiores mestres espirituais do mundo, da antiguidade aos tempos modernos, têm compartilhado a visão de que a verdade mais profunda do nosso ser não é propriedade de uma religião particular ou tradição espiritual, mas pode ser encontrada dentro do coração de cada pessoa.
O poeta Rumi disse:
“Onde está aquela Lua que nunca nasce ou se põe?
Onde está aquela alma que nem conosco nem sem nós está?
Não diga que está aqui ou ali.
Toda criação é Isso, mas para os olhos que podem ver.”

Na história bíblica da Torre de Babel, a humanidade é fragmentada em incontáveis línguas, religiões, culturas e interesses. Babel significa literalmente “o portão de Deus”. O portão é nossa mente pensante, nossas estruturas condicionadas. Aqueles que percebem sua verdadeira natureza, sua essência além de nome e forma, eles são os iniciados no grande mistério do que está além do portão.
Uma antiga parábola, a parábola do elefante tem sido usada para descrever como várias tradições estão na verdade todas apontando para uma mesma grande verdade. Cada pessoa, de um grupo de pessoas cegas, está individualmente tocando uma parte diferente de um elefante, obtendo, cada uma, uma certa impressão do que é um elefante.
A que está na perna do elefante descreve o elefante como uma árvore. A pessoa posicionada na cauda, diz que o elefante é como uma corda. O elefante é como uma lança, diz o que está deparando-se com a presa. Se alguém tocar-lhe a orelha, parecerá que o elefante é como um leque. A pessoa que toca o dorso afirma que o elefante é como uma parede.
O problema é que cada um de nós tocamos “nossa parte” do elefante e acreditamos que nossa experiência é a única verdade. Não reconhecemos ou percebemos que a experiência de cada pessoa é uma faceta diferente do mesmo animal.
A filosofia entende que todas as tradições espirituais compartilham uma única verdade universal. Uma realidade mística ou transcendente sobre a qual todo conhecimento espiritual e doutrina cresceram e foram originados.
Swami Vivekananda resumiu o ensinamento tradicional filosófico quando disse:
“O fim de todas as religiões é a percepção de Deus na alma.
Eis a única religião universal.”
Quando usamos a palavra Deus aqui, é simplesmente uma metáfora para o transcendente, apontando para o grande mistério além da mente egoica limitada.
Entender o verdadeiro “Eu”, o “Eu Imanente” ou “Eu Superior”, operando internamente é perceber a natureza divina no próprio ser.
Toda alma tem o potencial de manifestar um novo nível superior de consciência. Despertar de seu sono e de sua identificação com a forma.
O escritor e visionário Aldous Huxley, conhecido por sua obra Admirável Mundo Novo, também escreveu um livro intitulado A Filosofia Perene, no qual ele escreve sobre o ensinamento que volta recorrentemente na história, tomando a forma da cultura na qual é realizado. Ele escreve:
“A filosofia perene é expressada mais sucintamente na fórmula
sânscrita Tat Tvam Asi – Isso és tu”.
O Atman ou o eterno eu imanente é um com Brâman, o princípio absoluto de toda existência, e o fim último de todo ser humano é descobrir este fato por si mesmo. Descobrir quem ele ou ela realmente é.
Cada tradição é como uma faceta de uma joia refletindo uma perspectiva única da mesma verdade, enquanto, ao mesmo tempo, ecoa e ilumina uma a outra. Seja qual for a linguagem e estrutura conceitual utilizada, todas as religiões que refletem o ensinamento perene possuem alguma noção de que existe uma união com algo maior, algo além de nós.
É possível aprender e integrar os ensinamentos de uma ou muitas fontes sem incorporar um senso de identificação com elas. Dizem que tudo o que é verdadeiro nos ensinamentos espirituais são simplesmente dedos apontando para a verdade transcendente. Se nós nos apegarmos ao dogma, os ensinamentos confortantes, ficaremos atrofiados em nossa evolução espiritual. Perceber a verdade além de qualquer conceito é soltar-se de todo apego e adesão, deixando ir todos os conceitos religiosos.
Do ponto de vista do ego, o dedo apontando você à Samadhi, está apontando diretamente para o abismo.
São João da Cruz disse:
“Se desejas ter certeza do caminho a seguir,
será preciso fechar os olhos e caminhar no escuro”
De Pema Chodron:
“Viver plenamente é estar sempre na terra de ninguém…
e estar disposto a morrer repetidamente”.
Samadhi começa com um salto para o desconhecido.
Nas antigas tradições, a fim de realizar Samadhi foi dito que deve-se, em última análise, afastar a consciência de todos os objetos conhecidos, de todos os fenômenos externos, pensamentos condicionados e sensações, em direção à própria consciência, para a fonte interna, o coração ou essência divina de nosso ser.
Aqui, quando usamos a palavra Samadhi estamos apontando para o transcendente. Para o mais alto Samadhi que foi nomeado Nirvikalpa Samadhi.
Em Nirvikalpa Samadhi há uma cessação da auto-atividade, de todo buscar e agir. Nós só podemos falar sobre o que decai quando nos aproximamos dele e o que reaparece quando voltamos dele. Não há percepção nem não percepção, nem coisa, nem coisa nenhuma, nem consciência nem inconsciência. É absoluto, insondável e inescrutável para a mente.
Quando o eu retorna à atividade há um não saber, uma espécie de renascimento e tudoi se torna novo de novo. Nós ficamos com o perfume do divino, que perdura mais e mais quanto mais caminhamos no caminho da evolução.
Existem numerosos tipos de Samadhi descritos nas tradições antigas: Moksha, Fana, Satori, Kensho, Nirodha e Unio Mystica são alguns exemplos. E a Babel da linguagem criou muita confusão com o passar dos anos.
Estamos escolhendo usar a palavra Samadhi para apontar para a união transcendente, mas poderíamos ter usado uma palavra de outra tradição tão apropriadamente quanto.
Mais recentemente o livro Um Curso em Milagres, usa a expressão “Instante Santo” para descrever, ao que nos parece, Samadhi.
Samadhi é um termo antigo sânscrito, comum ao yoga védico e tradições Samkya da Índia e tem permeado muitas outras tradições espirituais mais recentes, como a teosofia de Blavatsky.
Samadhi é o oitavo membro dos oito membros do Yoga de Patanjali e a oitava parte do Nobre Caminho Óctuplo de Buda. O Buda usou a palavra Nirvana, ou a cessação do “vana”, a cessação da auto-atividade da mente.
Patanjali descreveu a yoga ou Samadhi como “chitta vritti nirodha”, significando em sânscrito “cessação do turbilhão ou espiral da mente”. É um desenredamento da consciência de toda a “matrix” ou “criatix” da mente.
Samadhi não significa nenhum conceito porque para percebê-lo é necessário um abandono da mente conceitual.
Diferentes religiões usaram várias palavras para descrever uma união com divina. Na verdade, a palavra religião em si significa algo similar. Em latim “religare” significa religar ou reconectar. É um significado semelhante à palavra yoga que significa laço a unir o mundano com o transcendente.
No islamismo é refletido no antigo significado árabe da palavra “islâ” em si, o que significa submissão ou súplica a Deus. Isto significa uma humilhação total ou rendição da estrutura do eu.
Místicos cristãos como São Francisco de Assis, Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz descrevem uma união divina com Deus – o reino de Deus interior. No evangelho de Tomé, Cristo disse:
“O reino não está aqui ou ali.
Pelo contrário, o reino do Pai está espalhado sobre a Terra
e os homens não o veem”.
As obras dos filósofos gregos Platão, Plotino, Parmênides e Heráclito quando vistas através da luz do ensinamento perene apontam para a mesma sabedoria. Plotino ensina que o maior empreendimento humano é guiar a alma humana para o supremo estado de perfeição e união com o Uno.
A medicina Lakota e o Santo Alce Negro disseram:
“A primeira paz, que é a mais importante,
é a que vem de dentro das almas dos homens
quando eles percebem seu relacionamento, sua unicidade
com o Universo e todos os seus poderes.
E quando eles percebem que, no Centro do Universo,
habita o Grande Espírito e que este Centro está realmente em todo
lugar.
Isto está dentro de cada um de nós”.
No caminho para o despertar, a menos que estejamos em Samadhi, há sempre duas polaridades para adentrar. Duas dimensões: uma em direção à consciência pura e a outra em direção ao mundo fenomenal. A direção ascendente encontra-se em direção ao absoluto e a descendente em direção a Maya e tudo que se manifesta, tanto visível como invisível.
A relação entre relativo e absoluto poderia ser resumida na seguinte citação de Sri Nisargadatta Maharaj:
“Sabedoria é saber que eu sou nada,
Amor é saber que eu sou tudo e
Entre os dois a minha vida se move”.
O que nasce desta união é uma nova consciência divina. Algo nascido fora do casamento ou união destas polaridades ou o colapso da identificação dualista, mas o que nasce é uma coisa só – isso nunca nasceu. Flores de consciência criando algo novo, criando o que você poderia chamar de Trindade Perene.
Deus, o Pai, o transcendente, incognoscível e imutável, une-se ao Sagrado Feminino, o qual é tudo aquilo que muda. Esta união traz uma transformação alquímica, um tipo de morte e renascimento.
Nos ensinamentos védicos, a união divina é representada por duas forças fundamentais: Shiva e Shakti. Os nomes e rostos de vários deuses mudam ao longo da história, mas seus atributos fundamentais permanecem. O que nasce desta união é uma nova consciência divina, um novo modo de estar no mundo. Duas polaridades inseparavelmente unidas. Uma energia universal que está sem centro, livre de limitações.
É amor puro.
Não há nada a ganhar ou perder porque é completamente vazia, mas absolutamente cheia.
Se esse é o mistério das escolas da Mesopotâmia, das tradições espirituais dos babilônios e assírios, religiões do antigo Egito, culturas núbia e kemética da antiga África, as tradições xamânicas e nativas em todo o mundo, o misticismo da Grécia antiga, os gnósticos, os não-dualistas, budistas, taoístas, judeus, zoroastrianos, jainistas, muçulmanos ou cristãos, descobre-se que o elo comum é a mais elevada percepção espiritual que permitiu aos seus adeptos realizar Samadhi.
A Palavra Samadhi significa algo como perceber a unicidade ou unidade em todas as coisas. Isso significa União. É a União de todos os aspectos de você mesmo. Mas não se engane entre a compreensão intelectual da realização real de Samadhi. É a sua quietude, seu vazio que une todos os níveis espirituais da vida.
É através do antigo ensinamento de Samadhi que a humanidade pode começar a entender a fonte comum de todas as religiões e entrar em alinhamento uma vez novamente com a Espiral da Vida, com o Grande Espírito, Dharma ou o Tao.
A espiral é a ponte que se estende do microcosmo ao macrocosmo. Do seu DNA ao lótus interno que se estende através dos chakras, para os braços espirais das galáxias.
Todo nível de alma é expresso através da espiral como ramos em constante evolução, vivendo, explorando. O verdadeiro Samadhi é a percepção do vazio de todos os níveis do eu. Todas as bainhas da alma. A espiral é o interminável jogo de dualidade e o ciclo de vida e morte.
Esquecemo-nos de nossa conexão com a fonte. A lente através da qual olhamos é muito pequena e nos identificamos como uma criatura limitada rastejando sobre a Terra, apenas para, mais uma vez, completar a viagem de volta para a fonte, para o centro que se expande para todos os lugares.
Chuang Tzu disse:
“Quando não há mais separação entre isto e aquilo,
eis o chamado ponto seguro do Tao.
No ponto seguro no centro da espiral é possível
ver o infinito em todas as coisas”.
O antigo mantra “om mani padme hum” tem um significado poético. Alguém despertou ou percebeu a joia dentro do lótus. Sua verdadeira natureza desperta dentro da alma, dentro do mundo, COMO o mundo.
Usando o princípio hermético
“O que está em cima é como o que está em baixo.
O que está dentro é como o que está fora.”
Podemos usar analogias para começar a entender a relação entre mente e quietude, relativo e absoluto.
Uma maneira de começar a entender a natureza não conceitual de Samadhi é usar a analogia do buraco negro. Um buraco negro é tradicionalmente descrito como uma região do espaço com um enorme campo gravitacional, tão poderoso que nem a luz ou matéria pode escapar dele. Novas teorias postulam que todos os objetos, das minúsculas partículas microscópicas até formações macroscópicas como galáxias possuem um buraco negro ou uma misteriosa singularidade em seu centro. Nesta analogia podemos usar esta nova definição de um uraco negro como “o centro que está em toda parte”.
No Zen existem muitos poemas e koans que nos trazem cara a cara com o portal sem porta. É preciso atravessar o portal sem porta para realizar o Samadhi.
Um horizonte de eventos é um limite no espaço-tempo, para além do qual os eventos não podem afetar um observador externo, o que significa que tudo o que está acontecendo além do horizonte de eventos é incognoscível para você.
Você poderia dizer que o horizonte de eventos de um buraco negro é análogo ao portal sem porta. É o limiar entre o eu e o não-eu. Não há “eu” que atravessa o horizonte de eventos.
No centro de um buraco negro há a singularidade unidimensional contendo a massa de bilhões de sóis em um espaço inimaginavelmente pequeno. Efetivamente uma massa infinita. Literalmente um universo em algo infinitamente menor que um grão de areia.
A singularidade é algo insondável além do tempo e espaço.
De acordo com a Física, o movimento é impossível, a existência das é impossível. Seja o que for, não pertence ao mundo da percepção, mas não pode ser descrito como apenas quietude. Está além da quietude e do movimento. Quando você percebe o centro que está em todos os lugares e em nenhum lugar, a dualidade é quebrada, forma e vazio, temporal e intemporal.
O professor taoísta Lao Tse disse:
“A escuridão dentro da escuridão – a porta de entrada para todo
entendimento”.
O escritor e mitólogo Joseph Campbell descreve um recorrente símbolo, parte da filosofia perene que ele chama de Axis Mundi, o ponto central ou a montanha mais alta. O ponto em torno do qual tudo gira. O Ponto onde a quietude e movimento são unificados. A partir deste centro uma poderosa árvore florida é percebida. Uma árvore Bodhi que une todos os mundos. Assim como um sol é sugado por um buraco negro, quando você aproximar-se da grande realidade, sua vida começa a girar em torno dela e você começa a desaparecer.
Quando você se aproxima do eu imanente, ele pode ser aterrorizante para a estrutura do ego. Os guardiões do portal estão lá para testar aqueles que estão em sua jornada. É preciso estar disposto a encarar os maiores medos e ao mesmo tempo aceitar o poder inerente. Trazer luz para os terrores inconscientes e a beleza escondida no interior.
Sua mente não é movida, se não houver auto reação, então todos os fenômenos produzidos pelo inconsciente surgem e desaparecem. Este é o ponto da jornada espiritual onde a fé é mais necessária.
O que nós significamos por fé?
Fé não é o mesmo que crença. Crença é aceitar algo ao nível da mente para trazer conforto e segurança. Crença é o modo de pensar da mente, rotulando ou controlando a experiência. Fé é na verdade o oposto. Fé é ficar no lugar de completo não saber, aceitando o que quer que surja ao inconsciente.
A fé está se rendendo a atração da singularidade, para o dissolvimento ou desmantelamento do eu com o objetivo de atravessar o portal sem porta.
A evolução e estrutura de uma galáxia está intimamente ligada à escala de seu buraco negro assim como sua evolução é atada à presença do imanente Eu, a singularidade que é sua verdadeira natureza.
Não podemos ver o buraco negro, mas podemos saber sobre ele pela maneira como as coisas se movem em torno dele, pela forma como ele interage com a realidade física. Da mesma forma, nós não podemos ver a nossa verdadeira natureza. O imanente eu não é uma coisa, mas podemos observar a ação iluminada.
Como o mestre zen Suzuki disse:
“Não há, estritamente falando, nenhuma pessoa iluminada.
Existe apenas atividade iluminada”.
Não podemos ver, assim como o olho não pode ver a si mesmo. Não podemos ver poque é aquilo pelo qual ver é possível.
Tal como o buraco negro, Samadhi não é coisa nenhuma e nem é uma coisa. É o colapso da dualidade entre coisa e coisa nenhuma. Não há portão para entrar na grande realidade, coisa e coisa nenhuma. Não há portão para entrar na grande realidade, mas existem caminhos infinitos. Os caminhos do Dharma são como uma espiral infinita sem começo nem fim.
Ninguém pode atravessar o portal sem porta. Nenhuma mente descobriu como e ninguém nunca descobrirá. Ninguém pode atravessar pelo portal sem porta, portanto, seja ninguém.
Samadhi é o caminho sem caminho, a chave de ouro. É o fim da nossa identificação com as estruturas do eu que separam nossos mundos interno e externo.
Existem muitos modelos que descrevem as camadas ou níveis da estrutura do eu. Nós vamos usar um exemplo que é muito antigo. Nos Upanishads, as bainhas que cobrem o Atman ou alma são chamados Koshas. Cada Kosha é como um espelho. Uma camada da estrutura do eu, um véu ou nível de maya que nos distrai da percepção de nossa verdadeira natureza, se estivermos identificados com ela.
A maioria das pessoas vê os reflexos e acredita que isso é o que elas são. Um espelho reflete a camada animal, o corpo físico. Outro espelho reflete sua mente, seus instintos e percepções. Outro sua energia interior ou prana que você pode observar quando você se virar para dentro. Outro espelho reflete seu nível do imaginal, o qual é a mente superior ou camada de sabedoria, e há camadas de beatitude transcendental ou não dual que são experienciadas quando alguém se aproxima de Samadhi.
Existem potencialmente incontáveis espelhos ou aspectos do eu que podemos diferenciar e eles estão mudando constantemente.
A maioria das pessoas ainda não descobriu a camada prânica, da mente superior e da beatitude não dual. Elas nem sabem que elas existem. Estas camadas estão informando sua vida, mas você não as vê. Os espelhos escondidos verdadeiramente informam nossas vidas mais do que aqueles que são visíveis.
Eles são invisíveis porque para a maioria das pessoas eles não são totalmente iluminados pela consciência. Como na Rede de Joias de Indra, todos os espelhos refletem uns aos outros e os reflexos refletem todos os outros reflexos infinitamente. Uma mudança em um nível afeta simultaneamente todos os níveis.
Alguns desses espelhos podem ser deixados nas sombras a menos que tenhamos a sorte de ter um guia competente para nos ajudar a lançar luz sobre eles. A verdade é que nós não sabemos que não sabemos.
Agora imagine que você destrua todos os espelhos.
Não há nada refletindo você de volta a você mesmo. Onde você está?
Quando a mente se torna quieta os espelhos deixam de refletir. Não há mais sujeito e objeto. Mas não erre o estado primordial para o nada ou esquecimento. O eu imanente não é algo, mas também não é o nada. A fonte não é uma coisa, é o vazio ou a própria quietude. A forma é realizada exatamente como vazio, o vazio é percebido como exatamente forma.
Esta fonte é o grande ventre da criação, grávida de todas as possibilidades.
Samadhi é o despertar da consciência impessoal. Tal como quando você trem um sonho e ao acordar você percebe que tudo no sonho estava apenas em sua mente. Ao perceber Samadhi, percebemos que tudo neste mundo está acontecendo dentro de níveis e níveis de energia e consciência. É tudo espelho dentro de espelhos, sonho dentro de sonhos. O você, que você pensa que você é, é tanto o sonho como o sonhador.
O sonho é tudo o que está mudando, mas é possível perceber o imutável. Esta compreensão não pode ser alcançada com a limitada mente individual.
Quando voltamos de Nirvikalpa Samadhi, os espelhos começam a refletir novamente e percebemos que o mundo no qual você acha que está vivendo agora é, na verdade, você mesmo. Não o você limitado, que é apenas um reflexo temporário, mas você está ciente da sua verdadeira natureza como a fonte de tudo aquilo que É. Este alvorecer da maior sabedoria, o embrião, prajna ou gnosis é o que é nascido de Samadhi.
De acordo com o livro de Job Chokhmah é a sabedoria que vem do nada. Este ponto de sabedoria é tanto infinatamente pequeno quanto capaz de englobar todo o ser, mas permanece incompreensível até que tenha tomado feitio e forma no palácio dos espelhos, chamado “binah”, o ventre esculpido por sabedoria superior que dá forma ao Espírito Embrionário de Deus.
A existência dos espelho ou existência das mentes não é um problema. Pelo contrário, o engano da percepção humana é que nos identificamos com isso. Esta ilusão, de que nós somos o eu limitado, é Maya. Os ensinamentos yógicos dizem que para realizar Samadhi é preciso observar o objeto de meditação até ele desaparecer dentro dele ou dentro de você.
Apesar da linguagem nas várias tradições ser diferente, em sua raiz todas elas apontam para uma cessação da auto-identificação e da atividade egocêntrica.
O Buda sempre ensinou em termos negativos. Ele ensinou a investigar diretamente no funcionamento da estrutura do eu. Ele não disse o que era Samadhi, exceto que é o fim do sofrimento.]
Em Advaita Vedanta há um termo “neti neti”, que significa “nem isso nem aquilo”.
Pessoas no caminho da auto-realização buscam sua verdadeira natureza ou a natureza de Brâman, primeiramente pela descoberta do que elas não são.
Da mesma forma no cristianismo, Santa Teresa de Ávila descreveu uma abordagem à oração baseada no caminho negativo, ou via negativa. Uma oração de calma, rendição e união que é a única maneira de aproximar-se do absoluto. Através deste processo gradual de despir-se de cada gota do que não é permanente, qualquer coisa que esteja mudando.
A mente que o ego constrói e todos os fenômenos, incluindo as camadas ocultas do eu. O inconsciente deve tornar-se transparente, a fim de refletir a única fonte. Se houver algum profundo conhecedor ou algum eu operando no inconsciente, então nossas vidas permanecem trancadas em um labirinto de padrões ocultos que abrangem o eu não descoberto. Quando todas as camadas do eu são reveladas como vazio, então uma pessoa se torna livre do eu. Livre de todos os conceitos.
Um ponto de virada em sua evolução é quando você percebe que não sabe quem você é.
Quem experimenta a respiração? Quem experimenta o gosto? Quem experimenta o canto, o ritual, a dança, a montanha?
Testemunhe a testemunha, observe o observador.
No começo, quando você observar o observador, você só verá o falso eu, mas se você for persistente, isso irá cessar.
Investigue diretamente sobre ou o quê experiência. Sem pestanejar, penetrantemente, fervorosamente, com toda a força do seu ser.
Não há eu que desperta. Não há VOCÊ que desperta. O que você é desperta da ilusão do eu separado. Do sonho de um limitado “você”. Falar sobre isso é insignificante. Deve haver uma cessação real do eu para perceber diretamente o que isso é, e, uma vez percebido, não há nada que possa ser dito sobre isso.
Assim que você disser algo, estará de volta na mente. Eu já falei demais.
Nós normalmente temos três estados de consciência: acordado, sonhando e dormindo profundamente. Samadhi é por vezes referido como o quarto estado, o estado fundamental de consciência. Um despertar primordial que pode se tornar presente continuamente e em paralelo com os outros estados de consciência.
No Vedanta isso é chamado de Turiya. Outros termos para Turiya são Consciência Crística, Consciência de Krishna, Natureza de Buda ou Sahaja Samadhi. Em Sahaja Samadhi, o eu imanente fica presente juntamente com a plena utilização de todas funções humanas. A quietude está imóvel no centro da espiral de fenômenos mutáveis.
Pensamentos, sentimentos, sensações e energia giram em torno dela na circunferência, mas o grau de quietude ou de “eu sou” permanente durante a atividade externa exatamente como na meditação. É possível que o eu imanente permaneça presente mesmo durante o sono profundo, que a sua consciência de “eu sou” não venha e vá, mesmo com a mudança de estados de consciência. Isto é a Yoga do Sono.
No Cântico dos Cânticos, ou na Canção Salomão da Bíblia Hebraica ou Velho Testamento, lê-se:
“Eu dormia, mas meu coração velava”.
Esta compreensão da eterna consciência impessoal se reflete nas palavras de Cristo, quando ele disse:
“Antes que Abraão fosse, EU SOU”.
Uma consciência que brilha através de rostos incontáveis, inúmeras formas. No começo é como uma flama frágil nascida fora das polaridades dentro de você. Consciência masculina penetrante como uma restituição ou abertura de energia feminina. É delicada e facilmente perdida e é preciso ter muito cuidado para protegê-la e mantê-la viva até que amadureça.
Samadhi é simultaneamente um atemporal estado de consciência e estágio em um desdobramento do processo de desenvolvimento. Algo orgânico e crescendo no tempo. Conforme passamos mais e mais tempo em Samadhi, no agora, no atemporal, tomaremos mais e mais a direção do coração, da alma ou de Atman e menos da estrutura condicionada.
É assim que ficamos livre da mente inferior. Livre de pensamento patológico. A fiação interna muda. Energia não mais flui inconscientemente nas velhas estruturas condicionadas, que é outra maneira de dizer que a pessoa não está mais identificada com a estrutura do eu, com o mundo exterior da forma.
Perceber Samadhi requer um esforço tão grande que isso se torna uma rendição total de si mesmo e uma rendição tão abrangente que é um completo esforço de nosso ser, todas as nossas energias. É um equilíbrio de esforço e rendição, Yin e Yang. Uma espécie de esforço sem esforço.
O místico indiano e iogue Paramahamsa Ramakrishna disse:
“Não busque a iluminação, a menos que você a procure como alguém cujo cabelo está em chamas procura por um lago”.
Você procura com todo o seu ser. Durante a prática de transcendência do ego, é preciso muita coragem, vigilância e perseverança para manter o embrião vivo. Para não cair de volta nos padrões do mundo. É preciso disposição para ir contra a corrente, contra o esmagamento inexorável da matrix e as rodas do Samsara. Cada respiração, cada pensamento, cada ação deve ser para a percepção da Fonte.
Samadhi não é alcançado pelo esforço, nem sem esforço. Deixe de lado o esforço e o não esforço – isto é uma dualidade que só existe na mente. A percepção real de Samadhi é tão simples, tão indiferenciada que é sempre mal interpretada através da linguagem, a qual é inerentemente dualista. Há apenas uma consciência primordial que desperta como o mundo, mas tem sido obscurecida por muitas camadas da mente. Como o Sol escondido atrás das nuvens, quando cada camada da mente é descartada a essência de uma pessoa é revelada.
Conforme cada camada da mente é descartada, as pessoas rotulam-se como um Samadhi diferente. Elas dão nomes diferentes para diferentes experiências ou diferentes tipos de fenômenos, mas Samadhi é tão simples que quando você diz o que é e como percebê-lo, sua mente sempre irá perdê-lo.
Na verdade Samadhi não é simples ou difícil, é só a mente que o torna, o que precisa parar antes que ele seja percebido. Não é um acontecimento de modo algum. O ensinamento mais conciso sobre Samadhi é talvez encontrado nesta frase:
“Aquietai-vos e sabei”.
Como podemos usar palavras e imagens para transmitir tranquilidade? Como podemos transmitir silêncio fazendo barulho? Ao invés de ficar falando sobre Samadhi como um conceito intelectual, este filme é chamado radical para inação. Um chamado para meditação, silêncio interior e oração interior. Um chamado para PARAR.
Pare tudo o que é impulsionado pela mente egoica patológica.
Aquietai-vos e sabei.
Ninguém pode dizer-lhe o que irá surgir da quietude. É um chamado para agir a partir do coração espiritual. É como lembrar de algo antigo. A alma acorda e se lembra de si mesma. Ela tem sido uma passageira adormecida, mas agora o vazio desperta e percebe a si mesmo como todas as coisas.
Você não pode imaginar o que é Samadhi com a limitada mente egoica, assim como você não pode descrever para uma pessoa cega o que é a cor. Sua mente não pode saber. Não pode fabricá-lo. Perceber Samadhi é ver de uma maneira diferente, não ver coisas separadas, mas reconhecer aquele que observa.
São Francisco de Assis disse:
“O que você procura é o que está procurando”.
Tão logo você veja a Lua poderá reconhecê-la em cada reflexo. O verdadeiro eu sempre esteve lá, ele está em tudo, mas você não percebeu sua presença. Quando você aprende a reconhecer e tolerar como o verdadeiro eu além da mente e dos sentidos é possível sentir veneração pelo mais mundano, tornamo-nos VENERAÇÃO.
Não tente ficar livre de desejos porque querer estar livre de desejos é um desejo. Você não pode tentar ficar parado porque você é esforço, é movimento. Perceba a quietude que sempre está presente. Seja a quietude e saiba. Quando todas as preferências forem descartadas, a fonte será revelada, mas não se apegue até mesmo à fonte.
A grande realidade, Tao, não é um nem dois. Ramana Maharshi disse:
“O Eu é apenas um. Se for limitado, é o ego;
se ilimitado, é infinito e a grande realidade”.
Se você acredita no que está sendo dito, você se equivocou. Se você não acredita, você também se equivocou. Crença e descrença operam no nível da mente. Elas exigem um conhecimento, mas se você entrar em sua própria investigação examinando todos os aspectos do seu próprio ser, descobrirá quem está fazendo a investigação, se você estiver disposto a viver pelo princípio de “não a minha, mas a Vossa Vontade seja feita”, se estiver disposto a viajar para além da onisciência, então você pode perceber o que tentei apontar. Só então você provará por si mesmo o profundo mistério e beleza de simplesmente existir.
Existe outra possibilidade para a vida. Há algo sagrado, insondável que pode ser descoberto nas profundidades do seu ser, além dos conceitos além dos dogmas, além das atividades condicionadas e de todas as preferências. Não é adquirido por técnicas, rituais ou práticas. Não há “como” adquiri-lo.
Não há sistema. Não há caminho para o Caminho. Como dizem no Zen, é descobrindo seu rosto original antes de você nascer. Não é adicionar mais para si mesmo. É tornar-se uma luz para si mesmo, uma luz que dissipa a ilusão do eu. A vida irá permanecer sempre incompleta e o coração sempre permanecerá inquieto até que ele descanse nesse mistério além de nome e forma.

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